Os inquéritos sociológicos nas vozes dos alunos

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Alice Mendonça

Departamento de Ciências da Educação da Universidade da Madeira

Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira

 

Resumo

Os estabelecimentos de ensino representam para qualquer pesquisador, espaços privilegiados para recolha de informação, sobre os temas mais variados e com possibilidade de acesso a diversos intervenientes educativos. Deste modo, estudantes e investigadores com temáticas e objetivos de pesquisa distintos, ali acorrem para a efetivação “dos pequenos trabalhos exploratórios de licenciatura, às teses, dissertações ou projetos financiados e de grande escala” (Dionísio, Torres & Alves, 2018b, p.1).

No atual contexto educativo, a resposta dos estudantes a inúmeros questionários, sobre os mais variados assuntos, integra o ofício de aluno concetualizado por Perrenoud (1995) impondo-lhe um novo papel: o de coprodutor de conhecimento, sem que desse facto subsista uma real perceção.

Afinal o que pensam os estudantes quando lhes é solicitado, nos estabelecimentos de ensino, o preenchimento de um questionário?

Foi com esta questão inicial que nos propusemos identificar o que pensam os estudantes sobre este assunto, utilizando (paradoxalmente) um inquérito por questionário para o efeito.

Tomando como ponto de partida uma revisão teórica sustentada no atual estado da arte, procedemos à elaboração de inquéritos por questionário que aplicámos a alunos de uma turma do 1º ano do curso de licenciatura em Ciências da Educação da Universidade da Madeira. Este estudo de caso desenvolveu-se com uma abordagem metodológica simultaneamente qualitativa e quantitativa, decorrente da natureza de fontes de dados distintas, e permitiu retirar algumas ilações acerca deste assunto.

Foi possível concluir que cerca de metade dos estudantes deste estudo se interroga acerca dos questionários a que responde, equacionando aspetos como a sua utilidade efetiva e a qualidade das suas próprias respostas. O conhecimento dos destinatários dos inquéritos foi também considerado importante pelos respondentes na medida em que condiciona o seu grau de confiança.

Os estudantes que não se interrogam acerca dos questionários a que respondem atribuem-lhes uma utilidade efetiva e percecionam as suas respostas como um dever associado ao seu ofício de aluno.

Foi ainda possível apurar que as entrevistas nos estabelecimentos de ensino são praticamente inexistentes por parte de investigadores externos.

Nota introdutória

A informação é uma das prerrogativas mais necessária e essencial para garantir a vida social do ser humano, ao possibilitar-lhe a “[…] gestão das suas atitudes, aos mais diversos níveis da ação pessoal, social e profissional” (Rodrigues-Lopes in Tuckman, 1994, p. xviii).

Deste modo, a informação e o conhecimento constituem, para o ser humano, valores críticos e reflexivos cujo carácter dinâmico se enquadra num processo de desenvolvimento que exige uma investigação constante, capaz de produzir saber, e distanciando-se da mera cópia da informação.

Considerando que o conhecimento é a fonte de poder mais democrática (Toffler, 1991), a necessidade de conhecer e compreender criticamente os fenómenos humanos, é fundamental não só para a ciência, mas para a construção de uma sociedade mais democrática.

Uma vez que a produção do saber decorre inexoravelmente da pesquisa contextualizada, “o estudo dos contextos educativos só poderá ocorrer nos seus limites naturais” (Ludke & André 2003, p. 4), sendo por isso, essencial pesquisar na escola enquanto espaço e constructo social onde coabitam atores e fenómenos educativos suscetíveis de ser estudados. Por esse facto, a investigação por inquérito é cada vez mais frequente nos contextos escolares e a sua aparente “simplicidade” constitui um atrativo para os investigadores menos experientes, que sem reflexão prévia, elaboram questionários onde cabe tudo e onde frequentemente “questões e hipóteses são confundidas” (Albarello, 1997, p.52).

De facto, a possibilidade de auscultar um número significativo de indivíduos, acompanhada pela possibilidade de quantificar os dados obtidos e, consequentemente, proceder à sua análise estatística, tem contribuído para a crescente popularidade deste instrumento de coleta de dados, nos estabelecimentos de ensino e não só.

A investigação sociológica na escola

Segundo Dionísio, Torres e Alves (2018a) a crescente diversificação das temáticas investigativas efetivadas nas escolas tem sido “fomentada não só pelo aumento de pesquisas desenvolvidas no âmbito académico” mas também como consequência de “algumas medidas politicas que condicionaram as incidências investigativas” (p. 63). E justificam que o acréscimo de projetos de investigação, “ora por encomenda, ora enquadrados em financiamentos públicos e/ou privados (nacionais e internacionais) contribuiu para a ampliação dos enfoques e para a própria visibilidade social da [sociologia da educação]” (Ibidem). E neste cenário contemporâneo, “o investigador raramente é uma pessoa física isolada pois são os centros de investigação ou departamentos de estudos de instituições que mandam realizar ou suscitam esses estudos (Albarello, 1997, p. 51).

No entender de Dionísio et al (2018a) esta proliferação investigativa incentiva ao “diálogo interdisciplinar [que consequentemente] constitui uma via profícua à descoberta de novos olhares sobre os problemas, as dinâmicas e os desafios educativos das sociedades contemporâneas” (p. 64).

O contexto educativo assume-se como espaço privilegiado da pesquisa sociológica, que “depende, sobremaneira, do espaço físico escolar para aceder aos atores e fenómenos que prioriza na sua produção de conhecimentos” (Dionísio, Torres & Alves, 2018b p.1), facto que leva Sérgio Grácio a considerar que, no contexto escolar “[…] os psicólogos e os assistentes sociais […] [retiram] espaço à intervenção dos sociólogos” (cit in Dionísio et al, 2018a, p. 67)

Contudo, consideramos que “a amplitude investigativa que se abre propicia a mobilização de múltiplos contributos disciplinares que se cruzam neste panorama […]” (Idem, p. 63) possibilitando descobertas mais abrangentes resultantes de um diálogo interdisciplinar que se reinventa numa complementaridade e com um objetivo comum: a apreensão mais abrangente dos contextos educativos.

Metodologia

Uma vez que a sociologia da educação não é parte da sociologia, mas sim “ a sociologia como um todo voltada para a delimitação, descrição e explicação dos fenómenos educativos, no sentido de reconstruir a lógica social que lhes subjaz […]” (Esteves, 2018, cit in Dionísio et al, 2018a, p. 68), no inquérito por questionário (Hill & Hill, 2002) que construímos para operacionalizar este estudo de caso (Yin, 2001) considerámos redutor limitar as respostas a uma escolha entre duas ou mais afirmações. Por isso, solicitámos aos inquiridos que cada resposta assinalada naquela modalidade, fosse seguida de uma apreciação verbal, que melhor explanasse o quadro concetual subjacente à escolha, pois “o que as pessoas afirmam sobre as suas práticas não é suficiente para revelar as lógicas que as subentendem” (Ruquoy, 1997, p.84).

Por outro lado, uma vez que as novas tecnologias de informação ampliaram as modalidades de obtenção de dados, recorremos ao correio eletrónico para facultar aos alunos o link de acesso aos inquéritos por questionário, cujo formulário havíamos alocado na web. Deste modo, os inquéritos foram respondidos on-line e presencialmente no início de uma aula da Unidade Curricular de Sociologia da Educação, lecionada à turma do 1º ano do curso de Licenciatura em Ciências da Educação, onde se encontravam presentes 24 alunos, tratando-se assim, de um grupo de amostra por conveniência.

A abonar esta modalidade de preenchimento dos questionários temos o estudo de Díaz de Rada e Domínguez-Álvarez (2014) que enfatiza aspetos como a qualidade da informação extraída, um menor número de questões não respondidas e respostas mais desenvolvidas nas questões abertas, comparativamente à modalidade em suporte de papel. A tudo isto acresce a rapidez no processo de recolha de dados, bem como a simplificação do seu processo de registo, considerando que os dados provenientes das respostas são armazenados automaticamente (Solomon, 2001). Por outro lado, a nossa presença na sala de aula durante o preenchimento dos questionários, garantiu-nos uma taxa de resposta de 100%.

Neste estudo de caso, a natureza distinta das fontes de dados remeteu-nos para uma abordagem simultaneamente qualitativa e quantitativa onde a análise de conteúdo seguiu os pressupostos da análise categorial concetualizada por Bardin (1997) traduzindo as tendências e regularidades que seguidamente quantificámos (Hill & Hill, 2002).

Apresentação e discussão dos resultados

Questionados sobre o facto de gostarem ou não de responder a questionários, propusemos aos alunos três opções de resposta, mutuamente exclusivas, e com níveis de apreciação distintos: Sim, gosto sempre; Por vezes não gosto e Nunca gostei de preencher questionários. O cômputo das opções selecionadas pelos alunos, permitiu-nos consolidar os respetivos valores percentuais. Assim, 41,7% dos inquiridos declararam que gostam de responder a questionários, 37,5% selecionou a opção às vezes e 20,8% deixou claro que não gosta de responder a questionários.

De seguida, solicitou-se-lhes a explicitação verbal daquelas opções, de modo a entendermos o quadro concetual que as enformou.

Foi a partir da análise dos seus depoimentos escritos que emergiram as tendências e regularidades que configuraram as conceções individuais, dando origem aos ideais coletivos que sintetizamos e quantificamos na Figura 1.

Figura 1: Níveis de apreciação dos alunos face ao preenchimento de questionários 

Sem Título

Assim, os inquiridos que afirmaram gostar de preencher os questionários solicitados nos estabelecimentos de ensino, justificaram essa opinião alegando que se sentem satisfeitos com a possibilidade de expressar a sua opinião pessoal. Já os estudantes que alegaram variabilidade nesse ato – às vezes gostam de preencher– declararam que este posicionamento decorre quer do tipo de questões colocadas quer do seu humor pessoal no momento do preenchimento, alegando que este influencia o seu grau de satisfação naquele procedimento.

Quanto aos alunos que afirmaram não gostar de preencher questionários apresentaram justificativas que se articularam em torno de dois argumentos distintos: “fazem muitos inquéritos” e “é aborrecido”. O primeiro pressuposto coaduna-se com as considerações de Dionísio et al (2018a) que consideram muito elevado o número de questionários respondidos nas escolas. Já o facto de tal preenchimento constituir uma tarefa monótona remete-nos para as considerações de Bruno Dionísio e Maria Manuel Vieira (cit in Dionísio et al., 2018a, p. 64) quando argumentam que “o alargamento dos objetos de pesquisa exige a mobilização de “dispositivos metodológicos mais criativos”, deixando clara a necessidade de alterar a configuração tradicional de obtenção de dados sociológicos.

Inquiridos sobre o facto de alguma vez se terem interrogado acerca dos questionários a que habitualmente respondem, solicitou-se que os alunos demarcassem as suas posições de forma inequívoca, com a admissibilidade de uma única resposta, enformada num de dois posicionamentos: a afirmação ou a negação (Cf. Figura 2), onde o computo dos alunos que habitualmente se interroga (13) é numericamente superior aos que não o fazem (11), embora a diferenciação seja, em termos quantitativos, pouco expressiva.

Figura 2: Os questionários preenchidos nas escolas suscitaram autoquestionamentos aos estudantes

Sem Título2

As respostas traduzidas em dois posicionamentos opostos, possibilitaram-nos de imediato a organização analítica de duas grandes categorias: i) o aluno interrogou-se acerca dos questionários a que respondeu; ii) o aluno nunca se interrogou acerca dos questionários a que respondeu (Cf. Figura 3).

Por seu turno, a análise do conjunto discursivo permitiu-nos estabelecer três dimensões constitutivas (subcategorias) para cada uma das categorias elencadas (Bardin,1997), nomeadamente; i) o estudante equacionou a efetiva utilidade dos inquéritos; ii) o estudante equacionou a identidade dos destinatários dos inquéritos; iii) o estudante equacionou a validade e a correção das suas próprias respostas.

Esta construção teórica decorreu das convergências evidenciadas nos depoimentos recolhidos, os quais foram reduzidos a unidades semânticas significativas e transcritos para a Figura 3. Tal decisão metodológica objetivou proporcionar, a partir da forma como foram transmitidas as respostas, uma melhor apreensão e compreensão da respetiva significância para os sujeitos (Bogdan & Biklen, 1994).

 Este exercício permitiu enquadrar os vários posicionamentos dos inquiridos e determinar o quadro concetual subjacente às suas respostas, tal como apresentado na Figura 3.

Figura 3: Atitudes dos estudantes face ao preenchimento de inquéritos sociológicos

O estudante interrogou-se acerca dos questionários a que respondeu n=13
 

 

 

 

Equacionou a

efetiva utilidade dos inquéritos (n=7)

 

“ de que maneira [a resposta] irá favorecer o estudo em questão?”

“Costumo tentar entender a razão pela qual tenho de responder às perguntas propostas”

 “Quem irá ser beneficiado?”

“Sim, para saber qual a finalidade.”

Por vezes pergunto-me se a minha opinião ou a resposta é essencial para mudar alguma coisa ou não.

Algumas vezes não tenho a noção de quais os aspetos em que as minhas respostas serão fundamentais.

Porque acho que estes inquéritos não vão alterar nada.

 

Equacionou a identidade dos destinatários (n=2)

Quero saber para quem é [o inquérito].”

Faço questão de saber quem está a organizar tal inquérito.

Equacionou a validade e a correção das suas próprias respostas

(n=4)

“Não sei se tenho pensamento credível sobre certos assuntos”

Sempre achei que a minha resposta não era importante

Depende do assunto do inquérito.

Não sei se a minha opinião é relevante

O estudante nunca se interrogou acerca dos questionários a que respondeu (n=11)
 

Os destinatários dos inquéritos estavam identificados

(n=3)

 

 

Porque sempre soube para quem estava a fazer o inquérito.

Nunca me questionei porque sempre soube [quem é o destinatário]

Penso que são para os professores

 

 

 

 

 

Considerou que as suas respostas seriam uteis

(n=4)

Preencho o questionário, sempre com o pensamento de que estou a colaborar com uma investigação de alguém.

Nunca pensei, porque achei que era uma forma de ajudar quem fazia o inquérito.

Costumo pensar que a minha resposta é primordial

Sou informada da finalidade, logo a minha opinião é importante

 

 

Procedimento inquestionável (n=4)

Porque não dei importância a esse aspeto

Nunca me questionei acerca disso

Não é um assunto do meu interesse, simplesmente respondo às questões solicitadas

Simplesmente nunca ocorreu a necessidade de interrogar-me acerca disso

 É possível inferir que dos treze alunos que se interrogam acerca dos questionários a que respondem, sete equacionam a sua efetiva utilidade, ao centrarem as suas preocupações na perspetiva da mudança, tal como atestam as expressões “pergunto-me se a minha opinião […] é essencial para mudar alguma coisa ou não” e “acho que estes inquéritos não vão alterar nada”. Outros alunos questionaram essencialmente a finalidade dos questionários; “ de que maneira [a resposta] irá favorecer o estudo em questão?” e mais objetivamente, a necessidade de “ saber qual a finalidade.”

Ou seja, uma vez que o valor prático de uma investigação se baseia no facto desta “[…] poder contribuir, subsequentemente, para uma nova forma de fazer as coisas a nível prático” (Tuckman, 1994, p. 548), é plausível que o desconhecimento deste facto, conduza os alunos a questionar-se, se as suas respostas se traduzirão efetivamente numa nova prática.

Conhecer a efetiva identidade dos destinatários dos questionários foi um aspeto destacado por dois alunos e que os leva a questionar-se.

Quatro dos estudantes que se interrogam acerca dos inquéritos a que respondem, fazem-no porquanto equacionam a validade e a correção das suas próprias respostas, tal como atestam as expressões “não sei se tenho pensamento credível sobre certos assuntos” ou “não sei se a minha opinião é relevante”.

Os estudantes que nunca se questionaram acerca dos inquéritos a que responderam (11) justificaram esta atitude com o facto de conhecerem os destinatários e ainda porque consideram que este procedimento se reveste de utilidade, tal como mencionam: “preencho o questionário, sempre com o pensamento de que estou a colaborar com uma investigação de alguém”, “[é] uma forma de ajudar quem [faz] o inquérito”, “costumo pensar que a minha resposta é primordial” e “sou informada da finalidade, logo a minha opinião é importante”.

Para quatro estudantes desta categoria de análise, o facto de responderem a inquéritos é um procedimento inquestionável pois afirmam “nunca me questionei acerca disso”, “ não é um assunto do meu interesse, simplesmente respondo às questões solicitadas” ou “[…] nunca ocorreu a necessidade de interrogar-me acerca disso”. Contudo, na categoria dos estudantes que costumam interrogar-se, um deles justifica tal facto com uma alegação idêntica ao afirmar “costumo tentar entender a razão pela qual tenho de responder às perguntas propostas”.

Esta ausência de questionamento, associada a uma ideia de imperatividade, remete-nos para o reconhecimento de uma autoridade pedagógica, inerente à ação pedagógica que legitima a ação do professor (Bourdieu & Passeron, 2008).

Deste facto retiramos duas ilações: i) os alunos desconhecem o direito que a ética científica lhes confere relativamente à sua não participação enquanto sujeitos colaborantes de um estudo; ii) os estabelecimentos de ensino veiculam um contexto educativo onde subjaz uma violência simbólica. (Ibidem) e onde o ofício de aluno inclui “os critérios do conformismo” (Perrenoud, 1995, p. 193).

Após a análise exaustiva da Figura 3, onde se concentram em detalhe, todas as variáveis que estiveram na origem da sua construção, parece-nos oportuno conciliar, numa ótica analítica mais global, os dados aí reportados.

Tal objetivo conduziu-nos à construção de uma figura-síntese, onde as categorias e as subcategorias surgem associadas ao seu volume percentual, possibilitando uma comparação simultaneamente quantitativa e quantitativa (Cf. Figura 4).

Figura 4: Hierarquia das atitudes dos estudantes perante os questionários

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O desconhecimento da efetiva utilidade das respetivas respostas foi o aspeto que mais se destacou nas justificações dos estudantes e que desde há muito tem sido enfatizado por Albarello (1997, p. 62) com a recomendação de que “é essencial motivar as pessoas que irão efetuar a recolha de dados sobre o interesse científico da investigação [ou] sobre os contributos sociais que dela podem decorrer”. Também Almerindo Janela Afonso equaciona, entre outros aspetos, a efetiva utilidade prática da sociologia, considerando que esta “[…] só é socialmente útil na exata medida em que ela seja uma sociologia pública” ( cit in Dionísio et al, 2018a, p. 66).

Segundo Teresa Seabra (Idem, p. 66) esta utilidade deverá ser “confecionada” pelos sociólogos e pressupõe a “intensificação dos laços entre a universidade, as instituições, associações, escolas […] no sentido de comunicar mais e melhor com as escolas, pois é com elas que a mudança pode ser efetiva” o que na prática poderá traduzir-se em “desenhar politicas de divulgação e de comunicação […]” (Silva, 2018, cit in Dionísio et al, 2018a, pp. 66-67).

Da insegurança que os alunos manifestam em expressar as suas respostas emerge o sentimento de dúvida dos próprios conhecimentos relativamente áquilo que lhes é solicitado nas questões, o que nos permite levantar algumas hipóteses, entre muitas outras suscetíveis de operacionalizar: a) estarão os investigadores conscientes deste aspeto? b) as questões apresentar-se-ão devidamente formuladas? c) solicitam-se respostas a assuntos que os alunos não dominam?

Em ambas as categorias de resposta surgiram justificativas envolvendo os destinatários dos inquéritos, quer porque estes não estão identificados, e consequentemente o questionário suscita dúvidas a esse propósito, quer pela situação inversa, quando o destinatário está identificado e consequentemente confere segurança aos sujeitos relativamente ao seu preenchimento.

Quanto ao primeiro grupo, o questionamento dos alunos é plausível, pois dificilmente uma pessoa dá a sua opinião “a um interlocutor anónimo e desconhecido […]”(Albarello, 1997, p. 62) do mesmo modo que tal identificação se traduz numa relação de confiança que induz os sujeitos à resposta.

Contrariamente aos questionamentos por inquérito, bastante generalizados, apenas cinco alunos declararam ter sido, alguma vez, entrevistados nas escolas.

Figura 5: As entrevistas nas escolas

Sem Título4

A descrição detalhada deste procedimento, tal como consta na Figura 6, levou-nos a concluir da reduzida utilização deste instrumento de coleta de dados, bem como das situações em que o mesmo é operacionalizado, e que ficam muito aquém das suas potencialidades.

Figura 6: Entrevistadores e objetivos das entrevistas nas escolas

Entrevistador Assunto/Objetivo
Colegas Trabalhos
Colegas Trabalhos
Funcionária da secretaria da escola Ingresso num CEF
Colegas e professores Opinião sobre o funcionamento escolar
Professores Ingresso na escola

Daqui se depreende que as entrevistas entendidas como instrumento de pesquisa sociológica, independentemente da sua tipologia, encontram-se distantes das escolas pois desenvolvem-se entre pares, para trabalhos disciplinares, ou então subsistem na qualidade de instrumentos que viabilizam a seriação dos alunos face ao ingresso escolar num determinado estabelecimento de ensino.

Os pesquisadores não estão nas escolas, nem existe tempo para a pesquisa etnográfica naquele espaço, inviabilizando-se deste modo a produção do conhecimento no seu contexto real. Por isso, concordamos com Carlos Alberto Gomes e Telmo Caria quando afirmam que “a pressão para a produtividade tem impedido o desenvolvimento de pesquisas eminentemente qualitativas e de cariz etnográfico, frequentemente incompatíveis com a dimensão temporal exigida (cit in Dionísio et al, 2018a, p. 65). A este propósito também José Manuel Resende se posiciona alegando que “se, hoje, a sociologia dos grandes indicadores é útil para compreender, numa perspetiva comparada, as grandes dinâmicas educativas num universo globalizado, ela não é suficiente para dar conta, numa perspetiva etnográfica, “das artes de fazer o comum” (cit in Dionísio et al, 2018a, p. 67).

Conclusão

Atualmente a escola assume uma clara centralidade nos estudos sociológicos com um aumento expressivo do número de pesquisas sociológicas aí desenvolvidas no sentido de se compreender e/ou explicar as dinâmicas escolares e educativas (Dionísio et al. 2018a). Foi a partir desta ilação que encetámos este estudo onde foi possível concluir que cerca de metade dos estudantes abordados se interroga acerca dos questionários a que responde. Deste modo, os procedimentos inquisitórios nas escolas dividem a opinião dos alunos.

Os alunos que se interrogam, fazem-no porquanto equacionam aspetos como a efetiva utilidade das suas respostas para a promoção de mudanças. A qualidade das suas próprias respostas é também um aspeto que lhes levanta dúvidas, a par do desconhecimento dos destinatários das suas informações.

Os estudantes que não questionam o preenchimento dos inquéritos, justificam este facto alegando que as suas respostas terão utilidade e que a habitual identificação dos destinatários lhes confere confiança. Alguns alunos deixaram implícito nos seus relatos o facto de o preenchimento dos inquéritos ser um procedimento tão comum que afasta qualquer interrogação e é percecionado como um dever.

Foi ainda possível apurar que as entrevistas sociológicas nos estabelecimentos de ensino são praticamente inexistentes por parte de investigadores externos.

É evidente que os dados recolhidos neste estudo de caso traduzem somente as perspetivas de um reduzido número de alunos, pelo que o seu contributo não é muito significativo. Contudo, uma vez que incumbe à sociologia da educação “interrogar e criar” (Stoer, 1992, p. 62) esperamos que este trabalho constitua um referencial para o alargamento investigativo desta temática, no sentido de permitir não apenas a sua melhor compreensão, mas também o questionamento crítico dos investigadores sociais, no sentido de equacionarem uma eventual mudança metodológica nas suas práticas investigativas.

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